Todo brasileiro que vive em terra anglo-saxônica sabe que não há palavra mais infernal do que push. Independentemente de morar há um mês, um ano ou uma década no país de língua inglesa, sempre que o brasileio vê uma porta com a palavra push, ele precisa se concentrar e pensar – dois segundos que seja – antes de executar a ação de empurrá-la. Caso contrário, vai puxar a porta em sua direção e ela não sairá do lugar.
Atire a primeira porta no Pablo Marçal quem nunca passou por isso.

Pois bem, há duas semanas, Martín, meu filho de cinco anos, estava indignado quando voltava da creche. Ele disse que não havia sido justo o que ocorrera. E contou:
– A professora falou brava comigo que a palavra foca é uma F-word e que eu não posso falar F-word. Tentei explicar para a professora que foca é um animal em português, mas quando falei foca de novo, ela ficou ainda mais brava.
Martín depois disse que estava falando com os amiguinhos sobre animais marinhos, mas que volta e meia falta alguma palavra em inglês e ele precisa recorrer ao português para tentar lembrar ou se fazer compreender. “Não é justo!”, ele falou colocando o lábio inferior acima do superior, sinal desde sempre de que está triste, magoado, com medo ou p (para usar uma P-word em português) da vida.
Explicamos que de fato ele não deve falar palavrão, mas neste caso ele estava certíssimo, pois a professora havia sido injusta e no dia seguinte conversaríamos com ela. Também perguntamos se ele sabia qual palavra era a F-word em inglês. Ele a proferiu com um sotaque belíssimo. Luciana e eu nos entreolhamos e respiramos fundo para segurar a risada, pois nunca tínhamos ouvido ele pronunciá-la.
Sério, belíssima pronúncia, mas obviamente não estamos orgulhosos.
No dia seguinte conversamos com a professora e demos o caso por encerrado.
Até que no meio da noite, enquanto dormíamos, ele veio para o nosso quarto assustado. Disse que teve um pesadelo com a F-word. Que ela era tipo um animal, um dinossauro com grandes asas que estava tentando pegá-lo.
Na hora lembrei dos tempos de trabalho no Brasil, quando usávamos as expressões “caralhas voadoras” em São Paulo ou “pirocas voadoras” no Rio de Janeiro ao nos referirmos a uma enxurrada de problemas chegando ao mesmo tempo. Mas nesse caso o inconsciente (ou subconsciente, não sei) do Martín levou para um outro nível, pois a p de uma inocente foca havia se tornado um palavrão com f em forma de um dinossauro voador.
Saudade dos tempos em que um charuto era apenas um charuto.
Na noite seguinte, o Martín estava conosco no sofá e acabou dormindo. Mas logo que fechou os olhos, o corpo inteiro tremeu e ele deu um grande grito, acordando imediatamente. Perguntamos o que havia acontecido, e ele, chorando, disse que a F-word quis pegá-lo novamente. Tentamos acalmá-lo, explicamos que F-word era apenas uma palavra, mas sentimos que faltava algo mais lúdico e tangível para ele enfrentar o problema.
Como tudo havia começado com uma foca, pegamos a foca de pelúcia do Martín e pedimos para ele abraçá-la bem. Depois, dissemos que, caso a F-word ou o dinossauro voador aparecesse no sonho, para ele colocar a foca na cara deles e dizer que não tinha mais medo pois eles não passavam de uma palavra. E, a parte mais erudita, incentivamos o Martín a exorcizar a F-word dizendo quantas vezes quisesse e em alto e bom som a palavra em si. Ele argumentou que não poderia, pois era F-word, mas insistimos:
Fuc%! Fu#k! F%ck! Fck! Fuc%! Fuc%! Fu#k! F%ck! Fck! Fuc%!
Foi uma metralhadora que até a família de kookaburra que mora na creche deve ter ouvido. Ao final, ele gargalhou, abraçou forte a foquinha de pelúcia e dormiu o sono dos justos. No dia seguinte, zero pesadelo. E assim estamos há duas semanas.
Sei que ele não terá o problema do push como nós temos diariamente, pois inevitavelmente o inglês já é será a primeira língua do Martín. Mas não podendo falar outro idioma conosco que não seja o português e vivendo num país de língua inglesa, o conflito linguístico gerado pela foca é apenas um cartão de visitas do que vem pela frente.




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