Apesar da inevitável náusea e de enjôos frequentes ao longo de uma hora e cinquenta minutos de filme por motivos de personagens absolutamente abjetos, amorais, desprezíveis, enfim, pela simples aparição em uma tela gigante de algumas das figuras mais repugnantes já produzidas pela política nacional, o sentimento ao sair do cinema, ainda mais tratando-se de um festival – o que significa que valia troféeeeu, amigo (tipo Galvão) -, era de torcida organizada de futebol:

“Olê olê olê olá, Petra, Petra!”

“Jair, covardão, vem dar satisfação!”

Apocalipse nos Trópicos foi exibido neste domingo (16), último dia do Antenna Documentary Film Festival, em Sydney, e faturou o Prêmio Especial do Júri, ficando atrás somente de Intercepted, de Oksana Karpovych, que ganhou o prêmio principal de Melhor Documentário de Longa-Metragem.

A produtora Alessandra Orofino e a diretora Petra Costa. Foto: Divulgação.

Com a palavra, o júri, em tradução livre:

“Pelo acesso impressionante a personagens-chave influentes, pela profunda curiosidade e pela capacidade de sintetizar poeticamente a extremamente complexa ascensão social e política da direita no Brasil e no mundo, concedemos o segundo prêmio a Apocalypse in the Tropics.”

Brasil-sil-sil!

Destrinchemos os nobres jurados:

Pelo acesso impressionante a personagens-chave influentes

Aqui estamos falando principalmente de Silas Malafaia. Não por conta do resgate do tremendo bigode que ele desfilava no início de sua jornada de telepastor, mas por ter se tornado uma das pessoas mais poderosas na ascensão e desgoverno de Jair Bolsonaro, espécie de eminência parda do Messias.

pela profunda curiosidade 

Para responder a pergunta central do filme, Quando uma democracia termina e uma teocracia começa?, Petra mergulha na atuação de setores fundamentalistas que atuam no país, suas origens no exterior e como encontraram no Brasil um terreno fértil para se proliferar, apontando diversos motivos, incluindo questões vitais de reflexão para a própria esquerda, que não vou dizer aqui para evitar spoiler, mas são muito claras nas falas de um líder da bancada da Bíblia e do próprio presidente Lula.

e pela capacidade de sintetizar poeticamente 

Apesar da alta concentração de personagens vis, o filme é extremamente poético, muito por conta das belas e inusitadas tomadas que a diretora faz, especialmente em Brasília, e também de passagens de cenas, às vezes delicadas, às vezes muito contrastantes. O maior exemplo, pra mim, foi o corte que desembocou dentro de um túnel escuro durante uma motociata (sem mais detalhes para evitar spoiler).

a extremamente complexa ascensão social e política da direita no Brasil e no mundo,

Tamanho emaranhamento não seria possível ser abordado com profundidade em um documentário de pouco menos de duas horas. Precisaria ser uma série com dezenas de episódios divididos em diversas temporadas. Dois picaretas imprescindíveis para entender a ascensão dessa direita fundamentalista no Brasil como Sergio Moro e Deltan Dallagnol, por exemplo, que mereceriam uma temporada inteira só para eles, aparecem rapidamente no filme, assim como outros personagens ou acontecimentos relevantes que ajudam na contextualização geral. E, mesmo com a limitação de tempo e espaço, o filme conseguiu montar um bom mosaico para explicar esse suco grotesco de Brasil que entornou de vez em 8 janeiro de 2023.

concedemos o segundo prêmio a Apocalypse in the Tropics.

“Aha, uhu, o Especial do Júri é nosso!”

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