Nos tempos em que eu trabalhava no Brasil 247, em São Paulo, recebíamos para entrevista, com certa frequência, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães. Ao término, antes de deixar a redação, ele sempre pedia para ir ao banheiro e, inexoravelmente, contava a história de quando o príncipe Philip, marido da rainha Elizabeth II, foi solicitado a dar um conselho aos súditos espalhados pelos mais de 50 países do Commonwealth, e ele não titubeou:

Nunca passe um banheiro, pois você não sabe quando haverá o próximo.

Importante: tradução livre do embaixador com alguma possível alteração minha por conta de um provável lapso de memória, mas a essência é o que está escrito acima.

Eu, grande tomador de água, guardo essa profunda reflexão como mantra. Ontem, porém, justamente ontem, quando Philip esteve tão próximo, não o escutei e acabei me complicando. Explico.

De onde moro até o Centro de Sydney são exatos 50 minutos de transporte público. Tranquilo. Eu tinha uma reunião nas proximidades de Rosebery, subúrbio a apenas 6 km do Centro, e estava com o caminho mapeado, a água administrada com maestria, quando, ao descer na estação de trem de Wynyard, senti um leve desconforto urinário. Como em cerca de 20 minutos eu estaria na estação de Green Square, próxima ao meu destino final, abstraí, pois em Green Square há uma linda biblioteca onde eu não apenas poderia aliviar a bexiga, como também sapecar um cafezinho antes da reunião. Era o chamado plano perfeito.

Era.

Rapidamente as coisas começaram a mudar. Assim que cheguei no terminal 8, que na verdade fica no terminal 6 (quase tipo Harry Potter), observei um certo tumulto. Logo descobri que por algum motivo que fugia ao nosso controle, teríamos de fazer o trajeto de ônibus, o que sempre pode impactar negativamente qualquer projeção mais cartesiana de itinerário, incluindo potencial atraso para a reunião e urgência mictórica (não necessariamente nesta ordem).

Fui logo para a fila tentar pegar o ônibus o quanto antes e, quando saímos, claro, o tráfego estava intenso. Tentei segurar a onda, obviamente não toquei na garrafa de água, e fui atento ao caminho, uma vez que nunca havia ido de ônibus para lá.

Após uns 35 minutos no ônibus, mais o tempo de aguardo para entrarmos nele, percebi que estávamos próximos da Green Square, mas também notei que havia algo estranho na redondeza (trocadilho zero com Square). Muitos policiais e seus veículos piscantes, um helicóptero sobrevoando e, o mais desesperador, algumas vias bloqueadas. Eu não sei como o cérebro funciona nessas situações, mas parece que o meu deu uma ordem direta de eliminação ao sistema urinário, ao mesmo tempo em que projetou na minha mente a imagem da reunião começando atrasada por minha culpa. Instantaneamente, senti um abacaxi revirando o estômago a uns 100 graus Celsius.

E iria piorar.

Green Square Library, em Zetland, Sydney. Foto: Pablo Nacer.

O ônibus foi impedido por um policial de seguir até a Green Square e tivemos de descer bem antes. Fui andando a passos largos, tipo Caio Bonfim na marcha atlética, e finalmente vi a imponente arquitetura das poucas construções locais. O que seria motivo de alegria, foi se tornando de desespero na medida em que eu via mais e mais policiais e um pequeno agrupamento de pessoas parado.

Consegui avistar uma bandeira da Palestina, o que me deu grande alegria e uma pista de que algo importante estava acontecendo, mas como só havia uma, descartei a hipótese de um grande protesto. Quando finalmente cheguei na Green Square, já quase verde de aperto (trocadilho zero com Green), segui na direção da biblioteca mas fui impedido de me aproximar da porta. O bloqueio final dos tiras era justamente ali.

Eu ia perguntar o motivo, mas logo ouvi as pessoas se animarem, enquanto o cara da bandeira da Palestina deu um salto e começou a tremulá-la com imenso orgulho. Ao fundo, uma comitiva de carros oficiais escoltados por batedores da polícia abria caminho.

O desespero urinário subiu a níveis colossais, mas a curiosidade foi mais forte e, em vez de correr para o banheiro de algum café ao redor, subi no primeiro lugar que encontrei para desvendar o responsável, ou a responsável, pela biblioteca estar fechada, o trânsito bloqueado e a minha uretra quase pedindo arrego: era a Rainha Consorte do Reino Unido, Camilla Parker Bowles, em visita à biblioteca.

Para o meu azar, ignorei o conselho do sogro dela, criando um problema extra para a minha manhã de terça-feira, mas compartilho aqui esta importante lição real.

Rainha Consorte do Reino Unido, Camilla Parker Bowles, em visita a Sydney, Austrália. Foto: Pablo Nacer.

Em tempo: impressão minha ou a rainha está pedindo para eu aguentar um pouquinho mais?

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